Publicado originalmente na Revista de Comércio Exterior do Banco do Brasil, ed. 83, ano 19, 1º tri. 2011, quando o autor era Secretário- Executivo da Camex
O fim de um capítulo conflituoso nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos
pós mais de dez anos de disputa no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), Brasil e Estados Unidos finalmente encerraram o contencioso relativo aos subsídios norte-americanos concedidos ao algodão. Desde 2005 o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC já havia reconhecido, de forma definitiva, a incompatibilidade dos programas de incentivos aos cotonicultores com os acordos multilaterais de comércio. Contudo, diante da influência dos produtores agrícolas sobre o Congresso estadunidense, a Farm Bill restou intocada, o que motivou o Brasil a tomar os procedimentos retaliatórios cabíveis.
Após ter sido arbitrado o valor da retaliação, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) editou a Resolução nº 15, de 2010, que listava as mercadorias provenientes dos Estados Unidos que seriam “objeto de suspensão de concessões assumidas pelo Brasil em razão do GATT”. Em seu anexo, a resolução trazia as alíquotas majoradas da tarifa para determinados códigos NCM, sobretaxando as compras do parceiro norte-americano. Tal retaliação também poderia estender-se ao comércio de intangíveis relacionados à propriedade intelectual.
Tendo em vista que ainda seguia uma tentativa de conciliação entre Brasília e Washington, a vigência do ato retaliatório foi postergada até que foi assinado o primeiro memorando de entendimento relativo ao contencioso do algodão. Em resumo, o texto previa transferências financeiras anuais dos Estados Unidos para aplicação, através do Instituto Brasileiro do Algodão – IBA, gerido por representantes do governo e dos produtores de algodão, em assistência e capacitação técnica no setor algodoeiro conforme relação de atividades autorizadas. Como contrapartida, o Brasil se comprometia a não dar vazão a medidas retaliatórias.
Embora tenha sido uma saída consensuada para o impasse, o memorando não tinha caráter definitivo, pois servia apenas como plataforma temporária para que o governo norte-americano providenciasse a eliminação dos subsídios agrícolas condenados pela OMC. Infelizmente, o funcionamento do memorando não foi um completo êxito. Os pagamentos acordados cessaram em outubro de 2013 sem que a nova Farm Bill, editada poucos meses depois, eliminasse a distorção no comércio internacional conforme a perspectiva brasileira.
Com a frustração dos objetivos do memorando, houve a retomada dos passos para se efetivar a retaliação. No entanto, como foi noticiado amplamente pela imprensa especializada, novo memorando de entendimento foi assinado em outubro de 2014, o que colocou um fim à disputa.
Além de ter sido acertada a transferência final de trezentos milhões de dólares, cabe destacar a ampliação do rol de atividades autorizadas que passou a prever explicitamente a aplicação dos recursos em projetos de infraestrutura e em pesquisa. A experiência vivenciada pelo IBA demonstrou grande dificuldade de desembolso em face da proibição de projetos nas duas áreas mencionadas.
O encerramento do contencioso, infelizmente, não teve o efeito de conformar a legislação norte-americana aos preceitos do Acordo Agrícola da OMC. Entretanto, o arranjo firmado para afastar a retaliação contribui para a melhora do ambiente de negócios entre Brasil e Estados Unidos. Não havendo mais ameaça de sobretaxação da tarifa, nem de prejuízo no recebimento de receitas derivadas do comércio de bens intelectuais, exportadores norte-americanos podem negociar com importadores brasileiros sem se preocupar com alguma reviravolta na execução dos contratos.
Para a solução do contencioso há de se destacar a prudência do Conselho de Ministros da Camex. Em algumas ocasiões esse Conselho deixou de seguir recomendações de grupos técnicos no sentido de aplicar de imediato a retaliação, pois acreditava que ainda havia espaço para se chegar a uma solução negociada, como, de fato, chegou-se. Cabe agora aos produtores de algodão sugerir ao IBA a aplicação desses recursos em atividades que tornem o algodão brasileiro ainda mais competitivo, entre as quais, a pesquisa.